Bisbilhoteiros e muito ‘arteiros’, com uma pelagem marrom, focinho um pouco alongado e orelhudinhos. Poderíamos estar descrevendo os típicos vira-latas caramelos, mas esses fofos só se parecem com cachorrinhos. São filhotinhos de lobo-guará e, pela semelhança com os cães e o entusiasmo pela diversão, tudo indica que puxaram ao pai, o lobo-guará que ficou famoso após viver quatro meses com uma família de Minas Gerais, que o adotou como um cão. O nascimento é considerado inusitado para a equipe do Bioparque Zoo Pomerode, onde são acolhidos animais selvagens sem condições de retornar ao habitat natural e desenvolvidos trabalhos para a conservação de espécies ameaçadas. “Esse tipo de reprodução é difícil de acontecer, pois os animais precisam se sentir bem onde vivem. Como o pai havia sido criado como um cão e a mãe veio de resgate, ambos poderiam ter traumas. Se aconteceu, é porque eles veem o habitat atual como um lar, se sentem seguros até para reproduzir”, conta o procurador da Fundação Hermann Weege, Maurício Bruns.
O nascimento dos filhotes de lobo-guará aconteceu no segundo semestre do ano. Todos os pequenos são saudáveis, vieram ao mundo de parto natural e recebem acolhimento diário da mamãe, que garante o aquecimento necessário no abrigo e a alimentação rica de leite materno. Ela também passou a receber o dobro de calorias na sua alimentação. Atualmente, mãe e filhotes vivem no ambiente dos logos-guarás do Bioparque e já podem ser vistos pelo público.
Os zootecnistas, biólogos e veterinários do Bioparque Zoo Pomerode monitoram mãe e filhotes 24 horas por dia e fornecem alimento, matéria-prima e os cuidados necessários, mas evitam contato direto. “Não queremos humanizá-los. Nosso objetivo é que eles se desenvolvam com seus instintos e que a mãe possa desempenhar seus cuidados para que cresçam naturalmente. Por isso, eles têm uma ampla área onde podem se abrigar em uma toca, natureza, muito verde e também realizamos atividades de Enriquecimento Ambiental, que os estimula a caçar, buscar alimento e viverem bem”.
A aproximação com o pai, o famoso lobinho adotado como um cão, será realizada aos poucos, primeiro com adaptação de olfato e visual através de uma barreira física entre os ambientes. Após se acostumarem os pequenos poderão socializar com o macho em uma adaptação gradativa. “Essa junção tem que ser bastante cautelosa para garantir a segurança de todos”, explica.
Reprodução não era prevista
O nascimento dos filhotinhos de lobo-guará pegou de surpresa os biólogos, veterinários e zootecnistas do bioparque, pois além do pai ser jovem, ambos foram resgatados em situações adversas. “A fêmea é muito tímida e nada sociável. Não imaginávamos que ela aceitaria uma aproximação dele assim tão rápido”, detalha Bruns.
“Além disso, geralmente esse tipo de gestação é programada pelos biólogos e, nesse caso, ela foi totalmente natural”, acrescenta. A gestação da lobo-guará durou 65 dias, foi saudável e contou com todo o acolhimento necessário para garantia de seu bem-estar.
Reintrodução na natureza
O lobo-guará é uma espécie que possui um Programa de Manejo ex situ, visando a conservação da espécie, do qual o Zoo Pomerode faz parte. O Programa é um acordo entre a Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (AZAB), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Ministério do Meio Ambiente (MMA) e contempla 25 espécies brasileiras.
O objetivo é que esses filhotes contribuam ativamente para a conservação da espécie, onde a introdução no ambiente natural são uma possibilidade de acordo com as diretrizes do programa.
Para isso os filhotes de lobo-guará são estimulados a manter os seus comportamentos naturais em caso de introdução devem aprender a buscar alimento, caçar, reconhecer ameaças, etc. “Uma ação assim vai muito além de garantir que estão com saúde. São diversas questões que precisam ser avaliadas, desde se estão na fase ideal da vida para isso, imunidade, possibilidades futuras, se há formas de sobrevivência, caça, alimentação, habitat seguro, se não há predadores e muito mais. Precisa ser tudo muito estudado em detalhes e feito de forma correta para garantir o equilíbrio da natureza e o bem de todos eles”.
Mãe e pai foram resgatados de situações adversas
A história de ambos está ligada ao resgate animal. A mãe foi resgatada com aproximadamente 1 ano por órgão ambiental do Estado de São Paulo e encaminhada ao zoológico Municipal de São Carlos para cuidados. Sendo acolhida pelo bioparque Pomerode em 06/05/2019 por orientação do Plano de Conservação de Canídeos da AZAB-ICMBio. Por não ter condições de reintrodução na natureza, diante de sua situação, desde então ela vive em um ambiente similar ao seu habitat. Em 2023, ela passou a ter a companhia do macho, que ficou famoso por ser adotado como um cachorrinho. Ele foi morar no local por também ter sido resgatado com tenra idade, não aprendendo a buscar alimentos e se proteger fora de uma casa. Possivelmente dificultando sua sobrevivência na natureza. “Se trata de um animal silvestre, por lei e por questão natural, em respeito à sua tendência, ele precisa ser tratado de acordo com a espécie. Não pode ser domesticado”, conclui Bruns.
Sobre o Bioparque Zoo Pomerode
Com 92 anos de história, é considerado o maior zoológico de Santa Catarina, tendo como mantenedora a instituição sem fins lucrativos Fundação Hermann Weege. O local conta com aproximadamente 900 animais de 230 espécies diferentes, sendo que 77% destes foram resgatados de situações de risco e 23% já são nascidos sob cuidados humanos. O bioparque é referência nacional no acolhimento e tratamento de animais selvagens e também na conservação de espécies ameaçadas de extinção.